APRESENTADO PELO IRMÃO HAILTON BARREIROS
DIA 05 DE AGOSTO DE 2014
Muitas pessoas levam seus cães para passear; eu
levo meus olhos para passear , eles se encantam com tudo
Uma professora me contou esta coisa deliciosa.
Um inspetor visitava uma escola. Numa sala ele viu, colados nas paredes,
trabalhos dos alunos acerca de alguns dos meus livros infantis. Como que num
desafio, ele perguntou à criançada: "E quem é Rubem Alves?". Um
menininho respondeu: "O Rubem Alves é um homem que gosta de
ipês-amarelos...". A resposta do menininho me deu grande felicidade. Ele
sabia das coisas. As pessoas são aquilo que elas amam.
Mas o menininho não sabia que sou um homem de
muitos amores... Amo os ipês, mas amo também caminhar sozinho. Muitas pessoas
levam seus cães a passear. Eu levo meus olhos a passear. E como eles gostam!
Encantam-se com tudo. Para eles o mundo é assombroso. Gosto também de banho de
cachoeira (no verão...), da sensação do vento na cara, do barulho das folhas
dos eucaliptos, do cheiro das magnólias, de música clássica, de canto
gregoriano, do som metálico da viola, de poesia, de olhar as estrelas, de
cachorro, das pinturas de Vermeer (o pintor do filme "Moça com Brinco de
Pérola"), de Monet, de Dali, de Carl Larsson, do repicar de sinos, das
catedrais góticas, de jardins, da comida mineira, de conversar à volta da
lareira.
Diz Alberto Caeiro que o mundo é para ser visto,
e não para pensarmos nele. Nos poemas bíblicos da criação está relatado que
Deus, ao fim de cada dia de trabalho, sorria ao contemplar o mundo que estava
criando: tudo era muito bonito. Os olhos são a porta pela qual a beleza entra
na alma. Meus olhos se espantam com tudo que veem.
Sou místico. Ao contrário dos místicos
religiosos que fecham os olhos para verem Deus, a Virgem e os anjos, eu abro
bem os meus olhos para ver as frutas e legumes nas bancas das feiras. Cada
fruta é um assombro, um milagre. Uma cebola é um milagre. Tanto assim que
Neruda escreveu uma ode em seu louvor: "Rosa de água com escamas de
cristal...".
Vejo e quero que os outros vejam comigo. Por
isso escrevo. Faço fotografias com palavras. Diferentes dos filmes, que exigem
tempo para serem vistos, as fotografias são instantâneas. Minhas crônicas são
fotografias. Escrevo para fazer ver.
Uma das minhas alegrias são os e-mails que
recebo de pessoas que me confessam haver aprendido o gozo da leitura lendo os
textos que escrevo. Os adolescentes que parariam desanimados diante de um livro
de 200 páginas sentem-se atraídos por um texto pequeno de apenas três páginas.
O que escrevo são como aperitivos. Na literatura, frequentemente, o curto é
muito maior que o comprido. Há poemas que contêm todo um universo.
Mas escrevo também com uma intenção
gastronômica. Quero que meus textos sejam comidos pelos leitores. Mais do que
isso: quero que eles sejam comidos de forma prazerosa. Um texto que dá prazer é
degustado vagarosamente. São esses os textos que se transformam em carne e
sangue, como acontece na eucaristia.
Sei que não me resta muito tempo. Já é
crepúsculo. Não tenho medo da morte. O que sinto, na verdade, é tristeza. O
mundo é muito bonito! Gostaria de ficar por aqui... Escrever é o meu jeito de
ficar por aqui. Cada texto é uma semente. Depois que eu for, elas ficarão. Quem
sabe se transformarão em árvores! Torço para que sejam ipês-amarelos...
Imagens : Internet e arquivo da Loja
Rubem Alves
Rubem A. Alves (Boa Esperança, 15 de setembro de 1933 —
Campinas, 19 de julho de 2014) foi um psicanalista, educador, teólogo e
escritor brasileiro, é autor de livros religiosos, educacionais , existenciais
e infantis.1 É considerado um dos maiores pedagogos brasileiros de todos os
tempos, um dos fundadores da Teologia da Libertação e intelectual polivalente
nos debates sociais no Brasil2 . Foi professor da Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP).
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
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