No dia 17 de Setembro de 2019 o Irmão Paulo Henrique Cunha apresentou na Loja Maçônica Alpha e Ômega o trabalho abaixo :
IRMÃO PAULO HENRIQUE
Epicuro
de Samos
O Filósofo do Jardim
Epicuro nasceu na Ilha de
Samos, em 341 a.C., mas ainda muito jovem partiu para Téos na costa da Ásia
Menor. Quando criança estudou com o platonista Pânfilo por quatro anos e era
considerado um dos melhores alunos. Certa vez, ao ouvir a frase de Hesíodo, "todas
as coisas vieram do caos", ele perguntou: "E o caos veio de
quê?". Retornou para a terra natal em 323 a.C. Sofria de cálculo renal, o
que contribuiu para que tivesse uma vida marcada pela dor.
O epicurismo é sistema
filosófico que prega a procura dos prazeres moderados para atingir um estado de tranquilidade e de
libertação do medo, com a ausência de sofrimento corporal pelo conhecimento do
funcionamento do mundo e da limitação dos desejos. Já quando os desejos são
exacerbados podem ser fonte de perturbações constantes, dificultando o encontro
da felicidade que é manter a saúde do corpo e a serenidade do espírito,
Epicuro também é conhecido
como o Filósofo do Jardim, pois "O Jardim" foi como ficou conhecida a
escola por ele fundara e que consistia numa comunidade de amigos e seguidores.
Lá, escreveu com detalhes a filosofia que iria se tornar conhecida como
epicurismo.
O
propósito da filosofia para Epicuro era atingir a felicidade,estado caracterizado
pela aponia, a ausência de dor
(física) e ataraxia ou imperturbabilidade da alma. Ele buscou na natureza as
balizas para o seu pensamento: o homem, a exemplo dos animais, busca afastar-se
da dor e aproximar-se do prazer. Estas referências seriam as melhores maneiras
de medir o que é bom ou ruim. Utilizou-se da teoria atômica de Demócrito
para justificar a constituição de tudo o que há. Das estrelas à alma, tudo é
formado de átomos, sendo, porém de diferentes naturezas. Dizia que os átomos
são de qualidades finitas, de quantidades infinitas e sujeitos a infinitas
combinações.
Infelizmente quase nada do
trabalho de Epicuro foi salvo no tempo, a ele é creditado uma carta que
provavelmente foi escrita a seu amigo Meneceu que passo a ler aos irmãos.
Carta
sobre a felicidade
(a
Meneceu)
Epicuro envia suas saudações
a Meneceu
Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto
jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é
demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem
afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já
passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser
feliz. Desse modo, a filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho: para quem
está envelhecendo sentir-se rejuvenescer através da grata recordação das coisas
que já se foram, e para o jovem poder envelhecer sem sentir medo das coisas que
estão por vir; é necessário, portanto, cuidar das coisas que trazem a
felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos, e, sem ela, tudo fazemos
para alcançá-la. Pratica e cultiva então aqueles ensinamentos que sempre te
transmiti, na certeza de que eles constituem os elementos fundamentais para uma
vida feliz.
Em primeiro lugar, considerando a divindade como um ente
imortal e bem aventurado, como sugere a percepção comum de divindade, não
atribuas a ela nada que seja incompatível com a sua imortalidade, nem
inadequado à sua bem-aventurança; pensa a respeito dela tudo que for capaz de
conservar-lhe felicidade e imortalidade.
Os deuses de fato existem e é evidente o conhecimento que
temos deles; já a imagem que deles faz a maioria das pessoas, essa não existe:
as pessoas não costumam preservar a noção que têm dos deuses, ímpio não é quem
rejeita os deuses em que a maioria crê, mas sim quem atribui aos deuses os falsos
juízos dessa maioria. Com efeito, os juízos do povo a respeito dos deuses não
se baseiam em noções inatas, mas em opiniões falsas. Daí a crença de que eles
causam os maiores malefícios aos maus e os maiores benefícios aos bons.
Irmanados pelas suas próprias virtudes,
eles só aceitam
a convivência com os seus semelhantes e consideram estranho tudo que
seja diferente deles.
Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada,
visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a
privação das sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada
para nós proporciona a fruição da vida efémera, sem querer acrescentar-lhe
tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade.
Não existe nada de terrível na vida para cujuem está
perfeitamente convencido de que não há nada de terrível em deixar de viver. É tolo
portanto quem diz ter medo da morte, não porque a chegada desta lhe trará
sofrimento, mas porque o aflige a própria espera: aquilo que não nos perturba
quando presente não deveria afligir-nos enquanto está sendo esperado.
Então, o mais terrível de todos os males, a morte, não
significa nada para nós, justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que
não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não
estamos. A morte, portanto, não é nada, nem para os vivos, nem para os mortos,
já que para aqueles ela não existe, ao passo que estes não estão mais aqui. E,
no entanto, a maioria das pessoas ora foge da morte como se fosse o maior dos males,
ora a deseja como descanso dos males da vida.
O sábio, porém, nem desdenha viver, nem teme deixar de
viver; para ele, viver não é um fardo e não-viver não é um mal.
Assim como opta pela comida mais saborosa e não pela mais abundante, do
mesmo modo ele colhe os doces frutos de um tempo bem vivido, ainda que breve.
Quem aconselha o jovem a viver bem e o velho a morrer bem
não passa de um tolo, não só pelo que a vida tem de agradável para ambos, mas
também porque se deve ter exatamente o mesmo cuidado em honestamente viver e em
honestamente morrer. Mas pior ainda é aquele que diz: bom seria não ter
nascido, mas, uma vez nascido, transpor o mais depressa possível as portas do
Hades.
Se ele diz isso com plena convicção, por que não se vai
desta vida? Pois é livre para fazê-lo, se for esse realmente seu desejo; mas se
o disse por brincadeira, foi um frívolo em falar de coisas que brincadeira não
admitem.
Nunca devemos nos esquecer de que o futuro não é nem
totalmente nosso, nem totalmente não-nosso, para não sermos obrigados a
esperá-lo como se estivesse por vir com toda a certeza, nem nos desesperarmos
como se não estivesse por vir jamais.
Consideremos
também que, dentre
os desejos, há os que são naturais e os que são inúteis; dentre os
naturais, há uns que são necessários e outros, apenas naturais; dentre os
necessários, há alguns que são fundamentais para a
felicidade, outros, para o
bem-estar corporal, outros, ainda, para a própria vida. E o conhecimento
seguro dos desejos leva a direcionar toda escolha e toda recusa para a saúde do
corpo e para a serenidade do espírito, visto que esta é a finalidade da vida
feliz: em razão desse fim praticamos todas as nossas ações, para nos afastarmos
da dor e do medo.
Uma vez que tenhamos atingido esse estado, toda a
tempestade da alma se aplaca, e o ser vivo, não tendo que ir em busca de algo
que lhe falta, nem procurar outra coisa a não ser o bem da alma e do corpo,
estará satisfeito. De fato, só sentimos necessidade do prazer quando sofremos
pela sua ausência; ao contrário, quando não sofremos, essa necessidade não se
faz sentir.
É por essa razão que afirmamos que o prazer é o início e o
fim de uma vida feliz. Com efeito, nós o identificamos como o bem primeiro e
inerente ao ser humano, em razão dele praticamos toda escolha e toda recusa, e
a ele chegamos escolhendo todo bem de acordo com a distinção entre prazer e
dor.
Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por
isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres,
quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que
consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior
advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo. Portanto, todo prazer
constitui um bem por sua própria natureza; não obstante isso, nem todos são
escolhidos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser sempre
evitadas. Convém, portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo
com o critério dos benefícios e dos danos. Há ocasiões em que utilizamos um bem
como se fosse um mal e, ao contrário, um mal como se fosse um bem.
Consideramos ainda a auto-suficiência um grande bem; não
que devamos nos satisfazer com pouco, mas para nos contentarmos com esse pouco
caso não tenhamos o muito, honestamente convencidos de que desfrutam melhor a
abundância os que menos dependem dela; tudo o que é natural é fácil de
conseguir; difícil é tudo o que é inútil.
Os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que
as iguarias mais requintadas, desde que se remova a dor provocada pela falta:
pão e água produzem o prazer mais profundo quando ingeridos por quem deles
necessita.
Habituar-se às coisas simples, a um modo de vida não
luxuoso, portanto, não só é conveniente para a saúde, como ainda proporciona ao
homem os meios para enfrentar corajosamente as adversidades da vida: nos
períodos em que conseguimos levar uma existência rica, predispõe o nosso ânimo
para melhor aproveitá-la, e nos prepara para enfrentar sem temor as
vicissitudes da sorte.
Quando então dizemos que o fim último é o prazer, não nos
referimos aos prazeres dos intemperantes ou aos que consistem no gozo dos
sentidos, como acreditam certas pessoas que ignoram o nosso pensamento, ou não
concordam com ele, ou o interpretam erroneamente, mas ao prazer que é ausência
de sofrimentos físicos e de perturbações da alma. Não são, pois, bebidas nem
banquetes contínuos, nem a posse de mulheres e rapazes, nem o sabor dos peixes
ou das outras iguarias de urna mesa farta que tomam doce
uma vida,
mas um exame cuidadoso que investigue as causas de
toda escolha e de toda rejeição e que remova as opiniões falsas
em virtude das
quais uma imensa perturbação
toma conta dos espíritos. De todas essas coisas, a prudência é o princípio e o
supremo bem, razão pela qual ela é mais preciosa do que a própria filosofia; é
dela que originaram todas as demais virtudes; é ela que nos ensina que não
existe vida feliz sem prudência, beleza e
justiça, e que
não existe prudência, beleza
e justiça sem
felicidade.
Porque as virtudes estão intimamente ligadas à felicidade,
e a felicidade é inseparável delas.
Na tua opinião, será que pode existir alguém mais feliz do
que o sábio, que tem um juízo reverente acerca dos deuses, que se comporta de
modo absolutamente indiferente perante a morte, que bem compreende a finalidade
da natureza, que discerne que o bem supremo está nas coisas simples e fáceis de
obter, e que o mal supremo ou dura pouco, ou só nos causa sofrimentos leves? Que
nega o destino, apresentado por alguns como o senhor de tudo, já que as coisas
acontecem ou por necessidade, ou por acaso, ou por vontade nossa; e que a
necessidade é incoercível, o acaso, instável, enquanto nossa vontade é livre,
razão pela qual nos acompanhara a censura e o louvor?
Mais vale aceitar o mito dos deuses, do que ser escravo do
desino dos naturalistas: o mito pelo menos nos oferece a esperança do perdão
dos deuses através das homenagens que lhes prestamos, ao passo que o destino é
uma necessidade inexorável.
Entendendo que a sorte não é uma divindade, como a maioria
das pessoas acredita (pois um deus não faz nada ao acaso), nem algo incerto, o
sábio não crê que ela proporcione aos homens nenhum bem ou nenhum mal que sejam
fundamentais para uma vida feliz, mas, sim, que dela pode surgir o início de
grandes bens e de grandes males. A seu ver, é preferível ser desafortunado e
sábio, a ser afortunado e tolo; na prática, é melhor que um bom projeto não
chegue a bom termo, do que chegue a ter êxito um projeto mau.
Medita, pois, todas estas coisas e muitas outras a elas
congêneres, dia e noite, contigo mesmo e com teus semelhantes, e nunca mais te
sentirás perturbado, quer acordado, quer dormindo, mas viverás como um deus
entre os homens. Porque não se assemelha absolutamente a um mortal o homem que
vive entre bens imortais.
M.’.M.’.
Paulo Henrique Cunha
CIM 257847
Tradução baseada na edição de Arrighetti. Epicuro. Opere. Torino, 1973.
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